Sobre a razão, emoção e consciência na Espiral Transessencial, ferramenta fundamental da Terapia Transessencial

Os estudos sobre a relação entre razão e emoção corroboram o entendimento da Terapia Transessencial (TTE) de que o campo das emoções serve de base ou de laboratório psíquico para as construções racionais dos indivíduos e, portanto, para o desenvolvimento da consciência destes. Lembrando que a proposta da TTE concebe seis níveis da essência: físico-biológico, etérico-vibracional, emocional, mental, consciencial e selfico-espiritual, e que a espiral transessencial representa uma ferramenta para anamnese, compreensão e encaminhamento terapêutico para a pessoa que busca aliviar seu sofrimento.

A seguir apresento reflexões de alguns estudiosos e filósofos que buscaram compreender como esses dois fenômenos, razão e emoção, como mote para o conhecimento do mundo, das experiências e da conviência social.

Biologia do Amor segundo Humberto Maturana

A partir dos fundamentos da biologia, Humberto Maturana 1¹ traz uma contribuição inovadora para o entendimento das emoções e da razão veiculada por sua proposta Biologia do Amor ou Matrix Biológica e Cultural da Existência Humana. Esse pensador partiu dos princípios da biologia e adentrou-se em reflexões filosóficas e do sentido evolutivo do ser humano. Maturana considera que, intrinsecamente, a biologia fundamental do ser humano está ligada à emoção do amor e que a capacidade de convivência estaria fundada nessa emoção.

Assim para Maturana, é o entrelaçamento cotidiano entre razão e emoção que constitui o viver humano, fazendo com que a própria racionalidade humana tenha fundamento emocional. Como um pensador de linha sistêmica, Maturana concebe o ser humano pela lente do amor, pela biologia do sentimento ligado a uma rede complexa de múltiplas interações. Segundo ele: “Nossa trajetória de vida nos faz construir nosso conhecimento do mundo – mas este também constrói seu próprio conhecimento a nosso respeito. Mesmo que de imediato não percebamos, somos sempre influenciados e modificados pelo que experienciamos”.

Quando o autor em foco propõe que a base das relações é principalmente a cooperação e que o que mantém as relações sociais é a emoção do amor, ele reafirma que se não fosse pela via do amor os grupos entra- riam em uma autodestruição intrínseca. Para se compreender o ser humano, é absolutamente importante considerar que o amor é sua característica essencial, um elemento fundamental desde o útero até a morte.

A complexa relação emoção-razão tem sido um tema recorrente entre as várias linhas filosóficas ocidentais ocidentais, sendo alvo de concordância e contradições entre os estudiosos do assunto. O pensador francês René Descartes concebeu uma dicotomia entre uma substância pensante (res cogitans), no sentido de razão ou pensamento, e a substância do mundo (res extensa), significando o corpo e as emoções como superficiais e suscetíveis às influências externas. Contrapondo-se a essa separação entre razão e emoção, o filósofo Baruch Spinoza (1632-1677), convivendo no mesmo período, defendeu a ideia de que essas duas “substâncias” fariam parte de uma mesma natureza. Segundo ele, a razão não está em oposição aos afetos ou às paixões, mas funciona como força moduladora que harmoniza a relação emoção-razão.

Immanuel Kant (1724-1804), um dos principais pensadores da filosofia ocidental, dedicado principalmente às áreas da epistemologia, metafísica, ética e estética, refletiu profundamente sobre os conceitos de afeto, paixão, sentimentos e razão. Segundo ele, a razão tem uma função reguladora das ações humanas e preserva os princípios que articulam intenção e dever, conforme o grau de autonomia da pessoa. Na concepção kantiana, a razão já teria um componente da consciência.

No referencial da TTE a emoção e a razão estão mais sintonizadas aos campos emocional, mental e consciencial. Na espiral transessencial, o fluxo da essência entre emoção e razão é ininterrupto e multidirecional, embora integrando diferentes dimensões, dos campos emocional e mental, entrelaçando-se num sistema de feedback recíproco. Uma vez integrado e amadurecido, este processo culmina com a emergência dos sentimentos, alimentados a partir das instâncias superiores dos campos consciencial e sélfico, fluxo este sempre de mão dupla. À medida que a percepção alcança níveis cada vez mais profundos da espiral transessencial, o processo de feedback se amplia para abranger áreas cada vez maiores dessa espiral, a partir do campo físico-biológico, alargando assim o espectro consciente da essência humana.

Para que esse processo ocorra naturalmente, é necessário manter os fluxos da essência, em particular no conjunto psíquico, envolvendo a contextualização dos fatos, a fluidez do entendimento e o desenvolvimento do processo resiliente. Quando estes canais estão desobstruídos, o conjunto de sensações, emoções e sentimentos obtém acesso ao campo consciencial, atribuindo ao ser um status de maior compreensão de si e dos demais.

Amadurecimento psicológico

Portanto, amadurecer psicologicamente está relacionado à fluidez da espiral transessencial, onde a substância essencial transita e harmoniza os seis campos, dinamicamente, a cada fato ou situação vivida. Um amadurecimento saudável envolve um fluxo ininterrupto de vivências afetivas na essência da pessoa, através de elaboração da consciência, manutenção da saúde física e vibracional e capacidade de contatar o Sagrado ou o eu numinoso, fonte de reabastecimento da espiral essencial. Amadurecer significa fazer vibrar toda espiral, em frequências variadas, desde a mais densa à mais sutil, num fluxo reflexivo, alimentado por todos os campos dimensionais.


Desde o final do século XIX, a Psicologia tem buscado a compreensão do mundo psíquico e suas relações. Na literatura correspondente, é cada vez mais frequente a identificação de fatores emocionais como causa das doenças e de interferência, positiva ou negativa, na evolução do tratamento. Atualmente já não há mais dúvidas sobre a importância dos fatores psicológicos e seus desdobramentos na gênese das doenças, bem como sua influência no tratamento.

Binômio corpo-mente

Durante muito tempo, os termos “emoção” e “mente” raramente eram mencionados nos tratados médicos. Mas, este estado de coisas mudou. Além dos aspectos advindos da experiência clínica, as pesquisas médicas têm constatado a indissociabilidade do binômio corpo-mente e a diversidade de configurações que as enfermidades podem assumir de acordo com as características de cada pessoa, seu perfil de personalidade e estado emocional, e o próprio investimento afetivo dedicado ao tratamento.


Nas últimas décadas, como resultado de inúmeros estudos sobre os efeitos do estresse no organismo e da identificação das doenças psicossomáticas, a medicina passou a considerar o corpo e a mente como parte de uma entidade única, complexa e funcional. Como consequência, a compreensão das doenças tem se ampliado enormemente, incluindo nas discussões os aspectos psicológicos, a intuição, a estética, a
história de vida, os traumas, a sensibilidade de cada pessoa, os aspectos socioantropológicos, a transculturalidade e a conexão com a espiritualidade.

DAMASIO, A. O erro de Descartes: emoção, razão e o cérebro humano.
MATURANA, H. R. A ontologia da realidade.
MATURANA, H.; VERDEN-ZOLLER, G. The origin of humanness in the biology of love.
SOUZA, W. F. Winnicott & Maturana: um diálogo possível?

  1. Neurobiólogo, filósofo e escritor chileno. Junto com Francisco Varela, também biólogo formulou a Teoria da Autopoiese ↩︎
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