Capítulo 2: Resiliência, o poder da autotransformação e cura
A proposta deste texto é refletirmos sobre os vários aspectos da Terapia Transessencial, e neste, em especial, apresentarei para vocês a aplicação da TTE, de acordo com a minha prática e, mais especificamente, sobre o tema da resiliência como um fator essencial para a autotransformação.
Tem grande importância para mim o ato de acolher e ajudar pessoas em sofrimento. Acredito que a troca de experiências, seja entre os terapeutas ou equipes que acompanham pacientes, contribui muito para aperfeiçoar as práticas de saúde, amenizando de forma mais completa a dor das pessoas que cuidamos. E mais: potencializando os conhecimentos que nós, profissionais do cuidado, acumulamos nas nossas práticas, desejando sempre querer sempre fazer o melhor para nossos pacientes. Não é por acaso que durante toda minha vivência de profissional da saúde mental, como psiquiatra e terapeuta, tenho priorizado o trabalho em equipe, de forma inter e transdisciplinar.
Começo esta reflexão apresentando a situação clínica de uma paciente, como exemplo de disponibilidade para mudança e vontade de aliviar o sofrimento através da autotransformação. Quero esclarecer aqui que todos os dados pessoais deste relato clinico são fictícios, me atenho só aos aspectos sintomáticos e clínicos da situação. Trata-se de caso muito comum em minha prática clínica, e considero muito bom poder receber pessoas que já foram tocadas pela necessidade de mudar seu caminho para uma vida de maior consciência sobre si mesmo e sobre seu papel no mundo. Então vamos lá…
Em sua primeira consulta, Luiza (nome fictício), 49 anos, me relatou que iniciou um processo de autocura a partir de uma palestra sobre a Terapia Transessencial. Na verdade, ela foi convidada por uma amiga, mesmo sem saber do que se tratava o assunto da palestra.
Segundo seu relato, durante a palestra ela anotou várias informações explicitadas sobre os princípios da Terapia Transessencial e, em seguida, passou a identificar em si própria os campos da Espiral Transessencial que ela percebia estarem disfuncionais. Começou, assim, a agir por conta própria, já antecipando o tratamento profissional que decidira fazer: reiniciou paulatinamente os exercícios físicos e as caminhadas na natureza, tomando sol e curtindo o ar livre, as árvores e as flores, como fazia no passado, mas com a correria do cotidiano deixou de fazer.
Além do mais, como já tinha procurado um profissional integrativo, voltou a tomar alguns suplementos vitamínicos já prescrito por ele alguns meses antes. Ela admitia não tinha levado muito a sério tal consulta, mas com a palestra resolveu ir fundo no tratamento, até porque esse profissional tinha explicado que eram suplementos para melhorar o ânimo e a memória. Assim, Luiza, por decisão própria, achou que poderia começar ajudando no seu tratamento.
Após algumas semanas depois da palestra sobre a TTE, essa paciente me procurou, por entender que vários meses antes vinha apresentando desânimo intenso, falta de entusiasmo pela vida, dificuldades de acordar pela manhã e pensamentos negativos diante de qualquer situação enfrentada. Informou que já tinha pensado em procurar uma psicoterapia, mas não encontrava forças para fazê-lo. Ficou sabendo por uma amiga “que não seria bom fazer terapia associada ao tratamento medicamentoso”. Na dúvida, própria de seu estado de desânimo, acabou não fazendo nenhuma coisa e nem outra.
(Sobre esta associação entre o tratamento medicamentoso e a psicoterapia, adianto ser fundamental caminharem juntas tais ações, pois se potencializam e contribuem para a superação dos sintomas. Aliás, minha experiência vem demonstrando que tal associação é realmente positiva.)
Luiza destacou que na palestra sobre TTE, foi marcante para ela a informação sobre a importância de se associar diferentes formas de cuidado, diferentes caminhos terapêuticos, pois assim haveria uma potencialização dos resultados.
Apesar dos sintomas trazidos por Luiza, tais como: desânimo, falta de energia para começar o dia, angústia matinal e falta de sentido para a vida, senti que havia nela firme determinação de superar tal situação. Pensando bem, tal decisão de superar o sofrimento representa, para mim, o pilar central de qualquer mudança!
Ressalta ainda que já na primeira consulta, fiz a anamnese baseada nos princípios da TTE, levantando não só sintomas clínicos, mas também a história de vida, visão de mundo, relações familiares, afetivas e o sentido de vida percebidos por Luiza. No campo da visão de mundo, apurei como ela se sentia diante de sua missão como pessoa e como ser-humanidade.
Luiza contou que teve uma caminhada pessoal com muitas dificuldades familiares: perda do pai aos nove anos de idade, associada a dificuldades financeiras da família, o que a levou a trabalhar desde cedo para completar a renda familiar. Em alguns períodos da infância morou com a mãe e irmãos em casa de parentes, situação que a traumatizou muito. Saiu de sua cidade do interior aos 17 anos e veio trabalhar e estudar em Brasilia. Aqui enfrentou dificuldades, pois morava com uma parente distante e não se sentia à vontade naquela casa.
Como faço normalmente durante o processo da anamnese baseada na TTE, busquei entender o sofrimento mais profundo daquela mulher e as situações que lhe causaram frustração e tristeza. No final daquela primeira consulta fiz uma pergunta que sempre faço aos meus pacientes: qual a sua disponibilidade para realmente superar esse seu sofrimento? Ou em palavras mais objetivas: “de zero a dez qual a nota que você atribui a essa sua disponibilidade”?
Geralmente as pessoas respondem que tem disponibilidade “total” de melhorar, mas nesse momento eu peço para o paciente entender melhor as dificuldades de superação, as resistências e descrenças que normalmente estão presentes, cabendo ainda “consultar o coração” em busca de uma caminhada terapêutica mais sincera e profunda. Luiza respondeu que, mesmo com a certeza imediata de querer melhorar, algo lhe puxava para a baixo, e havia também uma descrença em conseguir alcançar seu intento.
Com isso, considerando a vontade de melhorar e ao mesmo tempo a resistência e a descrença que lhe assaltava e lhe puxava pra baixo, Luiza me afiançou talvez sua nota fosse sete.
Ok, pensei já temos um começo!
Assim já tendo iniciado a vinculação médico-paciente, começamos nossa proposta primeiramente reforçando a reflexão sobre os seis níveis da Espiral Transessencial, explicando a ela a importância de trabalharmos esses seis níveis, integrando-os e harmonizando-os de forma a promover a potencialização dos vários aspectos implicados na situação que ela trazia como sofrimento. Com a explicação de integrar os níveis da Espiral Transessencial, Luiza entendeu que precisaria associar outras abordagens terapêuticas para harmonizar o conjunto da espiral e, assim, acelerar seu processo de superação.
Na continuidade do tratamento, além dos medicamentos para tratar a deficiência de neurotransmissores, que lhe causavam os sintomas depressivos, já citados anteriormente, por minha indicação Luiza começou uma psicoterapia, primeiro fazendo algumas sessões de Constelação Familiar para harmonizar seu campo transgeracional e depois uma psicoterapia de base humanista para trabalhar suas dificuldades pessoais.
Avaliamos também as questões metabólicas e hormonais da paciente. Evidenciamos que Luiza se encontrava em pleno climatério, já sentindo os sintomas da menopausa – desânimo físico, sono de baixa qualidade e instabilidade emocional. Encaminhei-a a uma ginecologista com formação em Longevidade Saudável, com o objetivo de fazer uma avaliação geral na situação hormonal e reforçar algumas vitaminas e complementos importantes para essa fase de vida.
Segundo a paciente, o sucesso desse tratamento e uma nova postura de vida foram notados de forma surpreendente, não só por ela, mas pelas pessoas próximas. Se deu conta de que voltou a escutar música, atitude que sempre gostara, mas que há muitos anos não sentia mais vontade em fazer. Passou a se interessar pelos assuntos trazidos pelos amigos, afirmando até que ligava pra eles para bater papo e convidá-los para algum evento, coisa que não fazia há tempos.
Com esse depoimento, constatei que este movimento inicial de Luiza seria a porta de entrada para o tratamento, o que se deu algumas semanas depois da palestra quando ela já começou a se mobilizar minimamente, demonstrando que queria, de fato e essencialmente, usufruir de uma vida com mais qualidade.
Importa falar aqui do que penso ser fundamental no acompanhamento de Luiza e de outras pacientes, qual seja, a busca da transformação pessoal, o segundo princípio da TTE. Lembro a vocês que esta paciente já chegou na consulta com uma atitude proativa na direção de sua autotransformação e da superação da depressão, que tanto estava lhe fazendo sofrer nos últimos vinte anos. Lembram-se do primeiro princípio da TTE: a pessoa é o agente da sua cura? Isso está muito bem aplicado a esta paciente.
Claro que essa vontade de se transformar ainda era tênue no início, foi se fortalecendo a partir do vínculo construído nas nossas consultas, ressaltado pela confiança mútua, compassividade e generosidade: terceiro princípio da TTE, lembram-se? Foram estes, na verdade fatores decisivos na caminhada de consolidação da superação alcançada por Luiza.
Na sequência das consultas, quando avaliamos melhor os níveis consciencial e selfico-espiritual da Espiral Transessencial, revelou-se a necessidade de uma experiência de desapego e generosidade que reforçasse seu “sentido de vida”, em complemento aos procedimentos já incorporados: medicação para a depressão, psicoterapia, tratamento para o climatério, suplementação de vitaminas e oligoelementos, exercícios e caminhadas na natureza, reforço do desejo de se transformar, entre outros.
Sugeri nessa altura do tratamento, um trabalho voluntário, pelo menos que começasse por uma parte da semana, de forma que lhe estimulasse a doação de si mesma a uma causa humanitária. Como sinal de disponibilidade para superação, a sugestão foi aceita com carinho, ao mesmo tempo em que realizou seu antigo sonho de trabalhar com crianças.
O fato é que constatei que esta paciente estava definitivamente decidida a se curar da depressão, com os passos que ensaiou e que desencadearam a vontade interna e profunda de si, de sua alma, na direção da saúde. Seus olhos passaram a brilhar mais intensamente e, mesmo ainda com alguns sintomas de desânimo, notava-se nela o ressurgir pulsante da vida, com toda aquela energia nas decisões e comprometimento pessoal, acionados dentro dela como autêntica chave para a saúde.
As providências tomadas inicialmente por Luiza e, posteriormente, as orientações médico-terapêuticas dentro dos pressupostos da TTE, harmonizaram as disfunções dos campos físico-biológico, etérico-vibracional, emocional e consciencial, dentro da fluidez da Espiral Transessencial e sua potencialidade em reenergizar todo o sistema.
Devo dizer: nós terapeutas recebemos na nossa prática centenas de pessoas em condições similares à situação de Luiza. A diferença entre essas pessoas que buscam ajuda seria a determinação de sair daquele “quarto escuro” e empreender sua transformação pessoal. Com certeza não é fácil, mas que deixo registrado aqui, em letras destacadas: isso é possível – acreditem!
Há muito o que dizer, também, sobre resiliência, algo que tem muito a ver com o processo vivido por Luiza.
Resiliência, em termos simplificados, refere-se à capacidade de transformar o sofrimento em competência, alcance do sentido de vida e adesão ao bem-estar pessoal e coletivo. No processo resiliente estão incluídos os mecanismos fisiológicos, emocionais, mentais e conscienciais.
De forma ainda sintética cabe esclarecer os mecanismos resilientes podem ser de natureza fisiológica, gerados no sistema neuroendócrino imunológico, que representa um arcabouço de proteção que defende o corpo contra agentes invasores biológicos ou físicos em geral e contra células anormais resultantes de mitoses atípicas. Outro mecanismo resiliente é a homeostase física que, em cooperação com o sistema hormonal, tem uma função permanente de equilíbrio metabólico e fisiológico.
Embora estes mecanismos sejam automáticos, eles têm seus limites que, quando ultrapassados, irão gerar disfunções no corpo. A capacidade de perceber a agressão ao organismo e impedir que estes limites sejam ultrapassados é fundamental para a manutenção da saúde em todos os campos da essência que, na realidade, se integram como uma unidade.
A resiliência está ao alcance de todo ser humano, mas cada pessoa a desenvolve de acordo com os estímulos positivos recebidos e o investimento que faz nos seus próprios recursos e nas potencialidades pessoais, aproveitando as boas influências de um psiquismo positivo e postura aberta para os valores sublimes.
O ato de perdoar, por exemplo, acompanha de perto a resiliência, pois abre os canais do coração para os sentimentos nobres. De início, é importante trabalhar o auto perdão, uma vez que a auto culpabilização funciona como um enorme obstáculo para o crescimento pessoal e abertura para o novo. Significa ficar acorrentado eternamente nas reverberações do passado impedindo radicalmente o processo resiliente.
A resiliência pode ser vista como uma estratégia mediadora de conflitos, tanto internos como com vivências circunstanciais conflituosas. Assim, por exemplo, a capacidade de compreender e absorver o aprendizado é a base para a empatia com aqueles que sofrem ou que fazem o outro sofrer; para o perdão, enfim. Diante da dor, pode-se escolher um entre dois caminhos: sofrer somente, ou transformar o sofrimento em uma profunda escolha interior de identificar as agressões que desencadearam a dor e o sofrimento, e decifrar a mensagem que essa dor está trazendo para a vida.
A resiliência é o instrumento da evolução em processo permanente de retroalimentação ou reforço positivo. Isso quer dizer que ela se torna cada vez mais potente na medida em que a pessoa se autotransforma. É uma dádiva da natureza transcendente que, coletivamente, promove a evolução da espécie humana.
Embora no ser humano a resiliência possa ser potencializada pela vontade, ela é um princípio universal, inerente ao nosso desenvolvimento. Na visão transessencial, tudo evolui no Universo, pela força do aprendizado e da experiência. Do microcosmo ao macrocosmo, o caldo do aprendizado histórico dA experiência oferece terreno fértil para germinação das sementes da espiral evolutiva. Assim, cada pessoa é confrontada com suas próprias experiências, que implicam em mudanças na busca do sentido profundo da vida.
Que bom podermos refletir juntos sobre esse tema tão fundamental para nosso crescimento pessoal e coletivo! O processo resiliente é parte intrínseca da proposta da TTE, ampliando sua capacidade de ajudar pessoas na superação de doenças físicas e emocionais, na melhor convivência consigo mesmo e com os demais. Assim, estejamos sempre, nós cuidadores, terapeutas e pessoas que buscam a transformação pessoal, atentos à ampliação da nossa consciência e da consciência da humanidade, em busca de bem maior e universal.