“Ter saúde é ter projetos”: um diálogo

Texto em forma de diálogo entre Henriqueta Camarotti e Flavio Goulart, também publicado no Site saudenodf.com.br  

Hoje trago aqui mais um debate entre Keta Camarotti e eu, ela agora na honrosa condição (para mim) de colaboradora permanente deste blog, tendo como foco a questão de se ter (ou não) projetos para o futuro e a importância disso na saúde geral e psico-emocional das pessoas.  Vamos lá?

Eu, Flavio Goulart, começo: certa vez, quando eu era Secretário Municipal de Saúde em Uberlândia, ao indagar de uma senhorinha na periferia da cidade se ela estava satisfeita com o atendimento em Saúde de Família recém implantado em seu bairro, recebi dela uma resposta desconcertante: gostei não, seu dotô: eles ispicula demais da vida de gente. Tentei explicar para ela, usando linguagem acessível, que tal ispiculação era, na verdade, um dos aspectos essenciais e positivos do programa, não um defeito e que o contrário disso seria despachar as pessoas de volta para casa com encaminhamentos ou receitas superficiais, que não tocavam no âmago de seus problemas verdadeiros. Não sei se consegui. Mas em alguma coisa ela talvez tivesse razão, ou seja, na real pertinência de tais interrogatórios. Com efeito, não deixa de ser importante saber das histórias pregressas dos pacientes, sejam pessoais, familiares ou sociais, mas com certeza coisas essenciais muitas vezes escapam aos médicos. Por exemplo: o fato de indagar dos pacientes se estes têm ou acalentam (ou não) projetos para seu futuro.

[Keta Camarotti] Flavio você está trazendo um tema que considero imperioso. Como profissional de Saúde Mental, com preocupações que se estendem ao campo sociocultural, parto do pressuposto de que há grande e permanente mudanças no cenário social das sociedades humanas. No campo em que atuo, o da saúde mental, nem se fala, pois há muito expirou o tempo do manicômio, do aprisionamento da loucura, da exclusão e também das ideias preconcebidas e sem apoio na realidade. Esse avanço está cada vez mais evidenciado pelas conquistas da ciência. Estamos agora agindo, ou deveríamos agir, sob a égide da integração das diferenças e da construção da cidadania. É assim que nas últimas décadas as intervenções dos serviços de saúde, não apenas de saúde mental, apontam invariavelmente para a integração cada vez maior das pessoas ao seu grupo social, comunitário e familiar. Não cabe mais ver a saúde como uma espécie de parênteses na vida; a doença, sim. Hoje se entende que a pessoa que procura ajuda deve ser compreendida em sua totalidade biológica, psíquica, social e espiritual. Entender que a doença é um momento apenas, mesmo que seja vista como “crônica”, de um contexto infinitamente maior e mais complexo da pessoa com suas peculiaridades, aspirações, sonhos e desejos.

É assim que o século 21 confirmou os ares libertários gestados nos vários movimentos sociais do século que o antecedeu. Por muito tempo os sintomas psíquicos-emocionais foram considerados como fraqueza ou falta de força de vontade da pessoa que os apresentasse. Por conta disso, se criou um verdadeiro estigma, não raro se verifica uma imensa dificuldade de aceitar um transtorno psíquico e muito mais, aceitar o tratamento desses sintomas. Assim, posso te afirmar, Flavio, que aceitar a doença e seu tratamento podem ser considerados sinais explícitos de saúde, evidenciando mecanismos de superação e transcendência. Mas, isso é apenas um preâmbulo ao tema. Gostaria de te ouvir mais, em particular sobre os reflexos na saúde dentro da busca constante por algo novo e criativo na vida de uma pessoa.

[FG] A propósito Keta, gosto muito de uma frase proferida por René Dubos, um médico e cientista francês que ganhou o Prêmio Nobel de Medicina na década de 60: ter saúde é ter projetos. Um dia você até achou que a frase era minha. Quem me dera! Mas confesso que conheço poucas máximas mais acertadas do que essa. Acho que todos podemos imaginar o vazio de uma vida sem projetos e, em decorrência, a fragilização e as dificuldades na saúde psíquica e espiritual das pessoas.

[HC] Olha Flavio, esta frase – ter saúde é ter projetos – sintetiza um dos pilares da nossa prática e tem a ver com as revoluções acontecidas nas últimas décadas na forma de acolher, compreender e tratar pessoas e comunidades sofridas por doenças ou males psíquicos. Essas propostas libertárias foram inicialmente instauradas na saúde mental e estendidas para a saúde como um todo e contestam o aprisionamento das interações familiares e sociais e dos medicamentos sedativos e restritivos, em direção ao entendimento da pessoa na sua integralidade e nas técnicas de acolhimento humano. Isso se deu em muitos outros campos da vida humana, por exemplo, nas relações interpessoais e grupais, na intimidade, no amor, na moda, nas opções políticas etc. Afinal, confirma-se que o ser humano é único e irrepetível e é assim que o sofrimento psíquico pode ser entendido como um caleidoscópico, pluridimensional, vivido e expressado em suas infinitas possibilidades, e tais projetos pessoais, e por que não dizer, sonhos são expressão dessa multidiversidade. Pensar em saúde e, particularmente em saúde psicoemocional equivale a mergulhar em um processo de autonomia e engajamento da pessoa e seu papel como ser social e comprometido com a comunidade e o bem-estar coletivo. Nisso aí é que reside a validade e a importância de se ter projetos na vida.

[FG] Estou inteiramente de acordo com você Keta e sem sair de tal temática, tenho uma bela história para contar sobre o assunto. Desculpe, não posso deixar passar a oportunidade de contar (mais uma) historinha… Falo de um grande amigo, falecido no início dos anos 80: José Virgílio Mineiro. Ele era médico, natural de Ouro Preto e trabalhou em Uberlândia desde sua formatura na década de 30, tendo ali exercido a especialidade de radiologista, destacando-se no diagnóstico e na investigação das doenças do esôfago, principalmente do chamado mal do engasgo (oumegaesôfago), derivado da doença de Chagas. Depois de mais de duas décadas na radiologia, Virgílio foi trabalhar no controle da hanseníase (lepra), uma vez que os aparelhos de RX da época traziam grande perigo aos que os manuseavam e já o estavam molestando com queimaduras por radiação. Virgílio foi também militante político do antigo PCB e como tal foi vereador em Uberlândia nos anos 40, sendo um precursor da legislação sanitária nesta cidade. Nos anos 70, Virgílio foi visitar um filho médico que morava nos Estados Unidos e aproveitou para fazer um check-up. Na ocasião foi-lhe diagnosticado um câncer no intestino. O filho, valendo-se do proverbial pragmatismo norte-americano, recomendou-lhe cirurgia radical, executada sem maiores delongas. De volta a Uberlândia, portador de uma colostomia temporária e sem garantia de cura do tumor maligno, José Virgílio resolveu tomar iniciativas em relação à vida, já suficientemente movimentada. Reformou sua casa, construiu um enorme viveiro para colibris, adquiriu equipamento fotográfico de última geração e começou a fotografar aves, paisagens, árvores e pessoas, ganhando inclusive sucessivos concursos de fotos artísticas.

[HC] Nossa Flavio que bela história, que nos remete a outro tema que é de meu especial agrado, a resiliência. O processo resiliente representa a capacidade que os indivíduos possuem (ou podem adquirir) de aprender com as intempéries da existência e manterem-se capazes para enfrentá-las, se transformando em pessoas melhores e mais comprometidas com os demais. Funciona como um salto para abrir caminhos para o futuro, seja individualmente ou como membros de grupos. Fico encantada em saber das histórias humanas de superação, que além de transformar a pessoa em um ser melhor, ainda o prepara disseminar o acolhimento e a resiliência tão úteis àqueles que sofrem.

[FG] Pois bem, veja você. Aquele homem estava com câncer e tinha muitas incertezas sobre sua saúde. Mas uma coisa lhe era certa: seus projetos mais estimados precisavam ser iniciados ou continuados. Poderia ser chamado de “doente” alguém assim?

[HC] Tu estavas falando Flavio e eu lembrando aqui da frase que adoro falar: “pode ser doente aquele que não tem doença ou pode ser saudável aquele que trata uma ou mais doenças”. Não é à toa que tendências contemporâneas em relação à saúde geral e saúde mental dão cada vez maior valor a isso, definindo saúde não como uma mera ausência de doenças, mas também como um processo que possibilite que a pessoa e a comunidade se realizem, sabendo que ninguém é sadio em um ambiente que não o seja. Entendo que saúde e comprometimento com a coletividade são funções intrínsecas ao ser humano e diretamente relacionadas entre si. Mais uma vez, é aí que entra a necessidade de se ter projetos na vida, melhor ainda se envolverem e cuidarem dos demais, principalmente, aqueles além das fronteiras familiares. Isto se reveste como fonte e atributo da verdadeira sanidade mental.

[FG] Keta também acho, e fico impressionado como a maioria dos médicos não pense exatamente assim. Se eu voltasse a clinicar, coisa que fiz por muitos anos, não titubearia em iniciar minhas anamneses com uma singela pergunta aos pacientes: que projetos você tem: no amor, no trabalho, na família, enfim na vida? Acho que assim eu não só avaliaria a disposição deles em continuarem vivos e ativos – e mesmo virem a se curar. Assim talvez eu pudesse, como médico, orientá-los em direção compatível.

[HC] Nossa Flavio, é isso mesmo, quem sabe nossos colegas médicos não incorporem a máxima da Terapia Transessencial: não existe cura sem autoconhecimento e sem transformação pessoal! Lembro aqui que é preciso expandir o conceito de saúde/doença. É certo que alguns profissionais de saúde já há tempos vêm se indagando e, recentemente, reforçado pelo Prof. Adalberto Barreto, criador da Terapia Comunitária Integrativa: como passar de um modelo que gera dependência para um modelo que nutre autonomia? Como romper com a concentração da informação pelos técnicos e doutores e fazê-la circular, para que todos possam se beneficiar dela? Como resgatar o saber dos antepassados e a competência adquirida pela própria experiência de vida? As respostas estão na proposta contemporânea do campo da saúde, não só mental como geral, que representa perceber o homem e seu sofrimento no âmbito de uma rede relacional, não concentrar a atenção na doença, mas na promoção da saúde, ver além do sintoma (quem olha o dedo que aponta a estrela jamais verá a estrela), além de identificar não só a extensão da patologia, mas, também, o potencial saudável daquele que sofre.

[FG] Temos que voltar às “origens”, ou melhor, ao próprio ensino médico, como você e eu já discutimos aqui. Aliás, falo como alguém que militou durante mais de 30 anos no ensino médico, associando sua prática docente à gestão de serviços públicos de saúde. Uma pergunta que tal vivência me trouxe e que continua pulsando é: esta turma está sendo formada para qual sistema de saúde? Para quais tipos de necessidades populacionais? Para as demandas reais da realidade da saúde no Brasil certamente não é. Penso que os médicos atuais geralmente foram preparados para agir e pensar como especialistas, na melhor das hipóteses como especialistas em partes do corpo humano, abstraindo-se de uma totalidade ou dos fatores que o rodeiam, o ambiente ou o modo de vida, por exemplo. Na pior situação, como operadores de tecnologias voltadas para determinado órgão ou sistema, quando não apenas para moléculas ou outras partículas que compõem a “máquina” humana. E acima de tudo, praticando um enfoque exclusivo sobre a doença – e não sobre a saúde – de cada indivíduo que lhes consegue acessar, não das pessoas em geral. Assim, o médico, que deveria ser um real profissional de saúde, se transforma em autêntico profissional da doença. Para não me delongar muito, diria que a saúde representa na verdade o produto de quatro condições fundamentais: a biologia da pessoa; o ambiente em que ela vive; os estilos de vida que assume e a oferta de serviços de saúde a que está exposta. Um bom curso de medicina teria, por obrigação, que se dedicar a explorar esses quatro componentes da saúde.

[HC] Flavio eu acrescentaria a essas mais uma condição fundamental: a saúde emocional e espiritual da pessoa. Além do mais, penso que outro problema fundamental da formação médica, que tem consequências importantes no processo de atenção à saúde, é a baixa capacidade de escuta, em relação aos pacientes, à sociedade, aos outros profissionais. Neste aspecto, pude ajudar a disseminar a importância do acolhimento, através da disseminação da metodologia da Terapia Comunitária Integrativa (TCI), com suas rodas ou grupos de escuta, que representam meios eficientes de abordagem comunitária, capaz de desenvolver nas pessoas sentimentos de fazerem parte ativa em um processo de superação de dores, angústias e carências diversas. Acredito que uma coisa assim teria também implicações na relação profissional de saúde-paciente, tornando estes últimos mais bem informados e participativos, com utilização mais eficaz e consciente de mecanismos de ajuda mútua e autocura. Grupos de fala, de escuta e de construção de redes solidárias, de trocas e solidariedade, no meu entendimento, fazem parte do que o futuro próximo imporá à profissão. Em suma, trata-se de promover grupos de diálogo e reflexões voltados para o autoconhecimento e crescimento, seja para pacientes ou profissionais do cuidado, de forma a enfatizar o trabalho em equipe multi e transdisciplinar, investindo no respeito interprofissional, nas práticas horizontalizadas e complementares entre as diversas profissões da saúde. Há mais questões que não querem calar, por exemplo: será que o estudante da medicina e das várias áreas da saúde de fato amadurece como pessoa e em termos de visão de mundo ao longo dos seus vários anos de curso? Será que estes conseguiriam perceber além do seu umbigo, mesmo tendo participado de tantas situações críticas nos atendimentos? Ele seria capaz de perceber o que significam os contextos de sofrimento trazidos pelos pacientes? Por exemplo, no caso de uma criança que chega ao setor de queimados por ter ficado em casa sendo “cuidada” por irmão de seis anos, será que a equipe assistente discutiria sobre as causas que subjazem no sofrimento das pessoas que acorrem aos serviços? Existe, assim uma Arte de Cuidar, que a meu ver não está inserida como tema em nenhum momento na formação do médico. Haveria muitas formas de trabalhar isso, não necessariamente como uma disciplina isolada, mas como conteúdos “transversais” que ao longo de todo o processo de formação, como atividades complementares ou inseridas diretamente nas disciplinas curriculares. Em suma, penso que deveria haver mecanismos para transformar os futuros profissionais da saúde em pessoas mais humanizadas e conscientes, na mais ampla acepção desta palavra.

[FG] Keta, sem querer ser pessimista, o que acontece na realidade é bem diferente disso. Nos dias atuais, os cursos de medicina e das várias áreas da saúde possuem foco absoluto nos fatores biológicos, na patologia individual e no ambiente hospitalar. Nada de abordagens mais amplas, por exemplo, em comunidades, famílias, aspectos sociais e culturais, para não falar da promoção de verdadeira saúde e da prática nos serviços de saúde básicos e nos múltiplos ambientes onde a vida de fato acontece. E tem um fator impactante a considerar: como é que docentes formados dentro de tais maneiras tradicionais de prática médica podem ter competência para ensinar a seus alunos métodos diferentes de abordagem de pacientes e comunidades?

[HC] Realmente Flavio é estranho pensar que, contraditoriamente, na contemporaneidade coexistem diferentes redutos de práticas em saúde. Por um lado, se convive com a precariedade de condições básicas nos sistemas de atenção à saúde que atendem às populações de baixo poder aquisitivo. De outro lado, a marca da abundância, exemplificada pela supervalorização da forma e da aparência do corpo, fenômeno este denominado de higiomania ou idolatria do corpo (somatolatria). Em tal situação predomina uma preocupação excessiva com o corpo, levando-se a uma visão superficial e egocêntrica do mesmo e estimulando-se o consumo de bens e serviços voltados para a perfeição da forma corporal. Essa visão tem uma conotação materialista e egocêntrica, e deixa de lado os ciclos naturais do viver, promovendo inclusive exageros que não só afetam negativamente a própria saúde, como costumam ser imensamente dispendiosos.

[FG] Keta, voltando ao nosso tema, trago aqui alguns exemplos que a história nos oferece de pessoas que fizeram da sua vida uma missão de realizar projetos, mesmo quando o corpo estava prestes a tombar por alguma doença. De passagem, poderia me lembrar de gente como Betinho, Teotônio Vilela, Darci Ribeiro, Mario Covas, José de Alencar (o vice presidente), Cazuza e tantos outros. Gente de quem a doença não retirou a vontade de fazer coisas acontecerem… Isso me traz pelo menos uma reflexão, que aqui compartilho. Os médicos precisam valorizar os projetos dos seus pacientes! Que tal se passassem a incluir em suas avaliações uma simples pergunta: que projetos você tem para sua vida? A partir daí se poderia, quem sabe, levantar e programar como parte do tratamento dessas pessoas – com a ajuda de outros profissionais – o desenvolvimento de seus projetos pessoais, fossem artísticos, afetivos, culturais, militantes ou outros.

[HC] Isso nos impele a pensar em saúde como a integração entre os ciclos naturais da vida, entendendo perdas, doenças, envelhecimento e morte como oportunidades de crescimento. Nas palavras de Groddeck, a doença significa um caminho para o conhecimento de si mesmo. O caminho vai nessa direção, ou seja, do aproveitamento das experiências difíceis do viver e das situações de doenças para o aprendizado de si mesmo e do outro. Enfim, imensas possibilidades são incorporadas à existência do ser humano quando este se abre para o aprendizado com a doença! Em outras palavras: é preciso que ele se deixe contaminar pela criatividade que a existência proporciona, pois, adoecer, crescer, transmutar-se, aprender, são possibilidades da vida e ter saúde é estar aberto e em sintonia com as oportunidades que se a abrem a cada momento. É aí que entra a história de ter saúde é ter projetos! Projetos de coisas novas, abertura de espírito, disponibilidade para o novo, para a novidade que entra e se instala na vida. Isto é ter saúde!  Um enorme benefício seria oferecido para tais pacientes, com certeza. O pressuposto é claro: quem tem projetos em vista possui, pelo menos potencialmente, muito mais saúde do que quem não os tem e disporá, por isso mesmo, de mais razões para continuar vivo e se cuidando, ajudando assim as equipes de saúde a promover e fazer saúde.

[FG] De fato Keta, são coisas das quais deveria dar conta uma nova formação médica e dos demais profissionais da saúde, que, infelizmente, ainda engatinha ou esbarra em preconceitos de uma cultura de imobilidade em nosso país.

[HC] Flavio, com certeza é muito difícil derrubar as barreiras dos preconceitos, das ideias enrijecidas, acredito também que pelo orgulho ou vaidade. Mas, posso te afirmar que eu não desisto; não desisto de abrir novas possibilidades. Encerro com uma citação do nosso querido Rubem Alves: “Se me perguntarem como é que um passarinho engaiolado pode não se esquecer da arte de voar, a resposta é muito simples: é preciso não se esquecer da arte de sonhar. Quem é rico em sonhos não envelhece nunca. Pode até ser que morra de repente. Mas morre em pleno voo. O que é muito bonito“.

[FG] Vou terminar com uma exortação que mais parece título de um filme ou novela: é preciso dar adeus às ilusões, particularmente em relação à medicina que se pratica atualmente.  Essas minhas reflexões vêm de longa data e ficam mais pulsantes quando vejo aqueles garotos nos semáforos, pintados de todas as cores, em trajes sujos, pedindo uma contribuição para o chope grupal, pelo momentoso fato de terem passado no vestibular de medicina. Não tanto por razões moralistas, do tipo “afinal de contas não ficam bem tais atitudes em futuros médicos”. A minha questão é outra: a preocupação com as ilusões de que aqueles jovens se alimentam e, de quebra, suas famílias e a classe média e média-alta a que geralmente pertencem. Por exemplo, a ilusão de que a medicina é onipotente; que basta dominar as tecnologias para ser um bom médico; que os pacientes se sentirão agraciados apenas com a percepção de que melhores médicos são aqueles que dominam a tecnologia, mais do que dar a atenção que eles, com fortes razões, são merecedores. E que importa, sim, conhecer e apoiar os projetos existenciais de seus pacientes, mais além do que abastecê-los com medicamentos e pedidos de exames. Quem sabe se possa fazer cumprir, assim, o sonho impossível do Homem de La Mancha: E assim, seja lá como for, vai ter fim a infinita aflição e o mundo vai ver uma flor brotar do impossível chão…

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